Lispectoriando

"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender.
Viver ultrapassa qualquer entendimento"
(Clarice Lispector)









quinta-feira, 10 de junho de 2010

Campanha pelos ribeirinhos

Cada pauta é uma surpresa. Acho que a grande sacada de quem pratica - ou procura praticar - o jornalismo de qualidade, sempre se surpreende com as pautas que aparecem todos os dias. E comigo foi assim.

Quando soube que tinha de fazer uma matéria especial e ir até algumas ilhas no entorno de Belém para mostrar como vivem as pessoas de lá, torci a boca, confesso.

Mas, quando me deparei com a situação daquelas pessoas, minha cabeça deu um giro. Um giro pela minha casa, pela minha geladeira, pelas gavetas das minhas filhas, pela minha sapateira com dezenas de saltos, pelo meu armário - entupido e quase sem poder se fechado de tanta roupa.

É que aquelas pessoas precisam de tão pouco, mas tão pouco, que acho que um só par de sapato que eu uso daria pra alimentar por uma semana uma família de 10 pessoas.

Gente, sem exagero. Em frente à cidade, ainda é Belém. Claro que é Belém. A mesma Belém que tem o Boulevar Shopping, o Mangal das Garças, o Museu, o Ver-o-Peso, a Basílica e tantos pontos que encantam turistas. Mas, se eles (os turistas) ou qualquer um de nós parar pra prestar atenção, pouco nos importamos se tem alguém vivendo do outro lado de Belém. As ilhas são a cidade. E ficam distante apenas dois ou três quilômetros de pô-pô-pô. E nós, nem aí...Poder público, então, nem precisa falar, né?

Sem saúde, educação, segurança, alimentação, energia elétrica, água potável e, o mais importante, dignidade e cidadania, essas pessoas estão jogadas a própria sorte.



Foi por ter vivido, em poucas horas, um pouco da vida miserável que pessoas como eu vivem, resolvi dar uma força...e vou logo dizendo: NÃO QUERO E NEM PENSO EM ME CANDIDATAR A NADA...

Na verdade, acho que político não faz absolutamente nada pra ajudar...penso que quem pode e deve ajudar são pessoas comuns, como eu (tudo bem que eu não seja tão comum assim...). O resultado às vezes é bem melhor...

Durante a pauta, entreguei à professora da única escola da Ilha Longa duas sacolas com bastante roupa das minhas filhas, minhas e do meu marido...a alegria das pessoas foi incrível...ou seja, vi que se eu reunir um grupo de amigos e arrecadar um pouquinho de roupa usada, toalha, lençol, comida, qualquer coisa que ajude aquelas pessoas a terem o mínimo de dignidade, já tá valendo.

Por isso, decidi que voltarei à Ilha Longa no primeiro fim de semana de julho pra levar o que conseguir arrecadar. Quem tiver lendo essa postagem e queira ajudar, é só deixar a doação em casa que na semana que eu for até a ilha, passo para pegar ou convido todo mundo pra ir até lá entregar comigo. A emoção e o sentimento de solidariedade afloram involuntariamente...Vocês vão ver!!!!!!

Na foto de Fernando Araújo, uma paradinha com as crianças da ilha...
Na outra foto, dá pra ver que não foi fácil chegar até o local, principalmente pelo meu histórico de frescura...


Mas, acreditem, foi uma das pautas mais especiais que eu já fiz...

3 comentários:

  1. Oi, Yáskara.
    Parabéns! Legal ver um blog diferente, que em vez de correr atrás do furo jornalístico ou das avaliações políticas, sociais e econômicas, mostra os bastidores da notícia, mostra as impressões do repórter diante de uma realidade, que, normalmente, ele está limitado a apresentar por determinações comerciais e políticas, quando não apenas editoriais.
    Na notícia, normalmente, não se mostra mais que uma foto, quando dá, não se mostra o repórter, nem a cara dele e muito menos o ser humano q está por trás daquele robô de anotações, aquele proletário que, tentando atingir a ideologia da isenção, escreve sem opinar.
    O próprio leitor - pelo menos assim imagino, como leitora e como jornalista - tb não quer saber da vida do repórter: se foi difícil conseguir a notícia, por quantas fontes ele passou, por quantas horas ele esperou, por quantos foi mal tratado...Isso não interessa! A nossa produção, em escala industrial é a notícia, um produto perecível, com prazo de validade cada vez menor considerando a força das redes sociais hoje em dia.
    Parabéns por mostrar a mulher que está por trás da repórter. E, peço, se houver espaço, guarde um pouco dessas emoções para os leitores, só um pouquinho, por 3 motivos básicos: 1) pra vida não ficar tão fria e amarga; 2)pros leitores se sentirem na pele da repórter e perceberem, com mais intensidade, aquela realidade q está sendo apresentada; e 3) pra não perder o costume.
    Bjs,
    Jornalista Enize Vidigal

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  2. Lindo, me emocionei. conte comigo
    Rita Soares

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  3. Yáskara,
    Que bom que vc sentiu na pele o que eu sinto diariamente gravando matérias para o Atitude. Mais duro do que viver a dor dessas pessoas e tirar do próprio bolso para dar a elas o que comer, é ser criticada pela própria imprensa por dar o peixe... Essa é uma discussão teórica e pouco prática. Quando a gente se depara com a situação de pessoas que beiram o desespero pela sobrevivência tudo o que nos passa pela cabeça é ajudar, sem querer nada em troca. Eu também não sou candidata a nada, mas todos e todas como nós, que se dispõe a ajudar, acabam sofrendo críticas injustas por pessoas insensíveis e até ignorantes. Por isso, PARABÉNS pela sua pauta, foi louvável sua atitude de ajudar e pode contar comigo no que precisar. Eu ajudo a quase 70 comunidades como esta na grande Belém e região metropolitana, e não sou candidata a nada. Mas, sinseramente, com tanto abandono, até dá vontade...
    Mas, vamos trabalhar!
    Beijos

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